Versão Inglês

Ano:  1940  Vol. 8   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 51 a 53

 

CORPO EXTRANHO DA LINGUA (*)

Autor(es): DR. RUBENS V. DE BRITO

S. PAULO

A patologia dos corpos extranhos em Oto-rino-laringologia é rica em observações das mais curiosas, em qualquer dos seus setores. Frequentemente chegam ao consultório dos especialistas, crianças e adultos portadores conscientes ou não, de peças estranhas as mais diversas, localisadas nos ouvidos - nariz - faringe - amigdalas, sem querermos salientar a traquéia - brônquio e esofago, cuja sintomatologia é mais subjetiva.

Para citar apenas a prata da casa, lembraremos as observações de Jayme de Campos - sobre um caso de grande porção de algodão localisada, durante dois meses, no rinofaringe de uma criança - e a de J. E. de Paula Assis - um fragmento de madeira no seio maxilar - ambas comunicadas a esta Casa.

Por vezes o paciente procura o especialista por causa de perturbações que ele mesmo alia ao corpo que permaneceu em lugar indevido. Outras vezes, e quantas, é o exame cuidadoso e sistematico que nos faz descobrir a sua existencia.

A nossa observação foi o fruto apenas do exame cuidadoso e quero martelar hoje novamente aquela tecla que já ouvimos muitas vezes de nossos mestres: "Examinar todos os casos mesmo aqueles que aparentemente se nos afiguram muito simples com a maxima atenção e cuidado".

Assim mesmo erramos tanto.

A nossa observação se refere a um corpo extranho, profundamente situado na lingua. Fato raro, fugindo às nossas cogitações no momento do exame, como já havia fugido às do competente cirurgião geral que durante uma semana havia orientado o tratamento. Tão raro, que em seguida fomos folhear os Compendios da especialidade em busca de observações analogas, sem que fossemos muitos felizes.

Realmente, sobre a patologia lingual, os autores se referem às causas gerais imfectuosas e às locais - representadas por traumatismos dentários, objetos pontiagudos, etc., sem fazerem menção aos corpos extranhos e quando o fazem, isto se dá muito pela rama.

Podemos, para exemplificar, citar o "Year Boock" da especialidade dos ultimos quatro anos, "O Surgical Diseases of the mouth and Yaws" de Padgett e o "Diseases of the mouth" de Mead. Jonh Finch Barnhill no seu livro "Surgical Anatomy of the Head and Neck" ao tratar das molestias da boca, refere em seis ou oito linhas apenas, que "as feridas da lingua não são raras; crianças que ao brincar com palito na boca ou qualquer outro objeto pontiagudo, caem e se ferem e que os abcessos consequentes a essas feridas não são tão poucos. Diz ele ter visto diversos na base da lingua - devido à penetração de pequenos corpos extranhos tais como pedaços de palitos, espinhas de peixe, etc.".

Recorrendo à bôa vontade de nosso colega Ribeiro dos Santos, conseguimos encontrar mais algumas referencias a corpos extranhos da lingua, aliás bem interessantes, na obra de Paul Dubois: "Affections de la cavité buccal et des maxillaires. Affections dentários" 10.a edição - Agosto 1894. Esse autor se refere à possibilidade de virem corpos extranhos se alojar na espessura da lingua em consequencia de traumas sobre a cavidade bucal e das feridas por armas de fogo, balas, fragmentos de projetis, pedaços de madeira, esquirulas dos maxilares, etc., provocando quando eles aí permanecem, a formação de um abcesso que depois se rompe e expulsa não só o pús como tambem o proprio corpo extranho. Cita observações em que este se demorou algum tempo na espessura da musculatura lingual, sem provocar reação inflamatoria, concretizando na comunicação apresentada à "Societé de Cirurgie" por Herbert (de Jillieres-Eure), sobre um doente que, "apresentava um edema generalizado da lingua; sobre a face superior existia uma ulcera acinzentada de aparencia cancerosa. Um exame atento fez perceber um trajeto fistuloso no fundo do qual um corpo duro, ressoando à exploração do estilete.O doente se refere então que onze meses antes, ao arrancar um dente, sentira dôr forte na lingua, sobrevindo um edema bastante doloroso. A incisão praticada faz constatar a metade da corôa do 2.° grosso molar".

Foram essas apenas as observações que conseguimos coligir. E' realmente pouco, mas isso é naturalmente a resultante de sua relativa pouca frequencia. Por isso mesmo é que trazemos a nossa observação. E' a seguinte:

I. I., japonês, de 25 anos presumivelmente, que nos é enviado em 6-10-1937 por uma Cia. de Seguros contra Acidentes de Trabalho. Ficha n.° 3.132 de nosso arquivo particular.

Refere-se que oito dias antes, fôra vítima da explosão de uma peça mecanica, finando ferido nos labios, dentes e lingua; e que, apesar do tratamento a que esteve submetido, não obtivera melhoras, pelo contrario, peorará.

Exames - Inspecção geral: o doente se apresenta com bom estado geral; boca semi-aberta, por onde se escoa constantemente a saliva; perturbação da dicção; deglutição bastante difícil e respiração normal.

Exame local: ferimento contuso do labio superior, de pouca monta e já em vias de cicatrisação. Perda dos quatro incisivos superiores e dos dois centrais inferiores. Lingua aumentada de volume e salivação abundante. Na face superior vê-se grande contusão que apanha toda extensão da porção horizontal, de forma irregularmente triangular e com base na ponta. Entre os bordos da ferida tecido necrosado, fétido e enegrecido.

Após limpeza cuidadosa, representada pela retirada do tecido necrosado, já aparece uma cavidade grande com tecido de granulação, de bom aspéto. Apenas no fundo, junto ao assoalho da boca, percebe-se uma mancha negra, dando a impressão de sangue coagulado. Pensando assim, procuramos retira-lo com todo o cuidado, prevendo a eventualidade de uma hemorragia, quando tivemos a surpresa de verificar que a pretensa mancha sanguínea era um corpo duro e resistente. Cautelosamente tentamos extraí-lo, o que conseguimos facilmente e a nossa surpresa foi maior ainda ao identificarmos o objeto: uma peça circular de ferro, de volume aproximado ao de uma moeda de 100 réis das pequenas, mas de espessura triplicada, pesando oito gramas.

Após a retirada foram feitos curativos anti-sépticos com solução de pioctanino durante três dias consecutivos. A ferida granulava bem e o doente desaparece para voltar após uma semana dizendo que uma noite - no 4.° dia - tivera forte hemorragia e que o colega chamado de urgência fizera uma sutura. O exame mostrou a lesão quasi totalmente cicatrizada, o que se deu dois dias após quando então foi-lhe dado alta, completamente curado, com sua dicção e deglutição perfeitamente normais.




(*) Trabalho apresentado à Secção de O. R. L. da Associação Paulista de Medicina em 17-2-1939.

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