Versão Inglês

Ano:  1940  Vol. 8   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 35 a 42

 

TUBERCULOSE DA LARINGE

Autor(es): DR. ROBERTO OLIVA (*)

S. PAULO

A tuberculose ocupa logar preponderante na patologia da laringe. Forma com a lúes e o cancer, a tríade - ponto de discussão diagnóstica entre os especialistas. Objetivamente, em certos casos, as opiniões divergem e só métodos usuais de propedêutica e de laboratório, conseguem elucidar o diagnóstico.

O conceito moderno de tuberculose aplica-se na laringe, sobretudo quanto às formas hematogênica, nas quais esse órgão é séde, concomitantemente, do mesmo processo que acomete o pulmão, em muitos casos. E a laringite tuberculosa segue o decurso das lesões pulmonares, tendendo como estas para a cura ou para o agravamento, segundo o gráu de disseminação bacilar.

Vias de acesso.

Em poucas palavras, a forma hematogênica da tuberculose, pode ser resumida da seguinte maneira: após o complexo primário, cancro inicial, que evolue para os nodulos linfáticos hilares, nos primeiros tempos da existencia, dá-se a regressão dos fenômenos infiltrativos, que acometeram o pulmão. Os germes ficaram, nesse caso, enclausurados nos gânglios, que reagiram eficientemente. Com o progredir do processo caseoso ganglionar ou por outro motivo qualquer, que não pode ser bem determinado, o bacilo de Koch consegue libertar-se, passando por via linfática ascendente à veia subclávia e, daí, ao coração esquerdo. E' então que se dá a disseminação hematogênica, na qual se observa a marcha do germe, em verdadeira septicemia bacilar, em direção a um ou a vários órgãos, podendo provocar lesões milhares no próprio pulmão, nas vias aéreas superiores, ou em órgãos mais distantes como ossos, pele, meninges etc.Essa via de penetração hematogênica da tuberculose laríngea, apresenta, via de regra, um decurso agudo senão super-agudo e tende a provocar lesões bilaterais, ao contrário das outras, como veremos depois.

Outra via de acometimento da laringe é a chamada broncogênica ou intracanalicular. A laringe sofre constantes traumatismos, decorrentes de sua função fonadora. Nos casos de lesões pulmonares, alem desses esforços fisiológicos, o órgão está sujeito a outros provenientes da tosse mais ou menos pronunciada, de que são atacados os doentes. O escarro, carregado de germes, proveniente da árvore traqueobrônquica, é obrigado a passar por essa via apertada que é a glote. Por outro lado, esses choques violentos e repetidos, que a tosse provoca, acabam produzindo erosões mais ou menos intensas na mucosa, que serão as vias de penetração dos bacilos. Esta é a via mais comum de penetração da tuberculose da laringe. Sua localização, ao contrário da forma hematogênica, tem tendencia a predominar sobre um ou outro lado. Explica-se essa localização unilateral da forma broncogênica da tuberculose da laringe, pela necessidade que têm os doentes de deitarem-se, afim de garantirem uma melhor respiração, sobre o lado mais atacado, de forma que as secreções se põem mais em contacto com esse lado. Existe, ainda, uma terceira via de acesso, denominada linfogênica. Neste caso seria admitido, que nas adenopatias cervicais tuberculosas, formar-se-ia uma corrente retrógrada da linfa, que conduziria os bacilos para os linfáticos da laringe. Seriam, também, assim, explicados certos casos de tuberculose laríngea consecutivos à tonsilectomia. Essas diversas vias de acesso da tuberculose para a laringe não são encontradas, na clinica, assim esquematizadas como foram descritas, mas não raramente elas se combinam; a via broncogênica, por exemplo, pode transformar-se em hematogênica e vice-versa.

Depreende-se, à luz dos conhecimentos modernos, que a tuberculose primitiva da laringe não existe. Os casos que eram assinalados, antigamente, como tal, padeciam de deficiências de exames, hoje tão aperfeiçoados, quer com relação ao laboratório, como no que se refere à radiologia.

Até os últimos tempos, admitia-se que a tuberculose das mucosas em relação com a laringe, boca e faringe só era possivel em seguida a infecção de contacto, seja do interior, por meio dos escarros carregados de germes; seja do exterior, por meio de contaminação alimentar, isto é, neste último caso, como infecção primária. Para a maioria dos casos, é claro, a contaminação intra-canalicular é a mais plausivel, pelas condições anatómicas e mecânicas acima expostas.

Por outro lado, de longa data, têm sido assinalados casos de tuberculose da laringe, nos quais existia, talvez, uma tuberculose fechada dos pulmões, com exames de escarro absolutamente negativos ou mesmo sem escarro. Seriam esses casos comparáveis àqueles em que o processo tuberculoso aparece nos olhos (flictenas), no tegumento externo (tuberculides), nos rins, nas mãos, nos testículos etc. e que só uma disseminação hematogênica poderia explicar. E atualmente já se consegue, pelos diversos métodos de exame, diferençar essas duas formas de propagação da tuberculose da laringe, seja pela laringoscopia, seja pela radiografia. As estatísticas relativas à frequencia da contaminação hematogênica da tuberculose da laringe tendem a aumentar e já nos dão uma cifra aproximada de 11% sobre o total dos casos de acometimento desse órgão (Wessely). Se levarmos, porém, em conta os casos de tuberculose, apenas aqueles em que houve disseminação hematogênica pulmonar, a cifra de comprometimento da laringe subirá, de acordo com a estatística de Dworetzky, a 80 % ; todas elas referentes a laringites hematogênica superagudas ou agudas.

Sinais da tuberculose laríngea

Deixando de parte certos aspectos que fazem suspeitar de um modo mais ou menos seguro, da existencia de uma tuberculose da laringe, como certa palidez da mucosa, inflamação de uma das cordas vocais, formação de exsudato catarral etc., a nossa atenção é mais frequentemente chamada para outros fenómenos, que, com mais precisão, conduzem ao diagnóstico. Estes últimos fazem parte do período de estado da moléstia, enquanto que os primeiros constituem o período de início.

Infiltração: Os bacilos carreados pela circulação sanguínea, na forma hematogênica, localizam-se em um capilar, provocando, na região correspondente, uma reação do organismo, mais ou menos visível, segundo a profundidade da camada em que se assestaram. Se a camada for superficial, vêem-se nódulos amarelo-acinzentados, em série ou pequenos grupos, fazendo saliência na mucosa. Se a localização desse processo capilar for mais profunda, haverá uma infiltração do tecido circundante, seguida frequentemente de edema mais ou menos intenso. E' a essa lesão que se dá o nome de infiltração.

A infiltração tuberculosa não apresenta fisionomia característica, mas sua localização quasi sempre posterior, sua coloração tendendo mais para a palidez, fazem pensar na tuberculose. A região aritenoidiana é, via de regra, a primeira atacada, tomando a forma característica de pera, com desaparecimento das cartilagens de Santorini. Quando a epiglote é a séde desse processo, ela se espessa, imobiliza-se, e toma a forma de turbante. A subglote também pode ser atingida pela infiltração, mas sua visibilidade é muito escassa, mormente na comissura anterior. Durante este estádio de infiltração, as terminações nervosas são séde de processo inflamatório, havendo mesmo proliferação celular. Os doentes, em vista dessas alterações nervosas, queixam-se de parestesias, variando desde o ligeiro prurido até as dores mais violentas.

Ulceração: A proliferação e a confluencia dos nódulos iniciais dão em resultado a ulceração da mucosa, que a princípio mínima, vai-se extendendo, provocando perdas de substancia cada vez maiores. A característica das ulcerações tuberculosas é a falta de nitidez de seus bordos, que são às vezes proliferante, a ponto de mascarar sua forma e profundidade. Livres de sua camada de pus, seu fundo é amarelado. Quando sobre as cordas vocais, elas costumam provocar perdas de substancia dando-lhes a forma de serra. As ulcerações da epiglote afetam forma variavel; ora disseminadas sobre uma infiltração, ora determinando escavações mais ou menos extensas sobre a borda livre. Do mesmo modo as outras partes da laringe podem ser séde de ulcerações tuberculosas.

Pericondrite: O progresso dessa forma ulcerativa da mucosa, dá em resultado a extensão do processo em profundidade, atingindo o esqueleto cartilaginoso da laringe, ocasionando a pericondrite. Observa-se, então, a formação de verdadeiros funis, com a abertura maior voltada para a periferia, cheios de substancia caseoso e pus. E mais frequentemente observada a pericondrite na epiglote, nas aritenoides e ocasionalmente na cartilagem tireóide. As queixas dos doentes, quanto às dores, são agora mais intensas, pois, qualquer movimento das cartilagens exacerba-as.



FORMA BRONCOGÊNICA



FORMA HEMATOGÊNICA



FORMA MIXTA



Proliferação: Entende-se sob esta designação um conjunto de manifestações tuberculosas em que a tendencia produtiva prepondera sobre o processo exsudativo. E' das bordas de uma ulceração que, em geral, se inicia esse fenomeno proliferativo exuberante conhecido pelo nome de vegetações verrucosas. Outra é a origem dos processos proliferativos, tão bem descritos por Portmann e Retrouvey, sob a designação de papilomas, pseudopolipos e tumores, que têm uma origem frequentemente primitiva.

Sintomas subjetivos.

Existe correlação entre a localização do processo e os sintomas subjetivos. Estes podem ser divididos em quatro grupos principais. Primeiro parestesias, a mais comum das quais é uma sensação de prurido, que resulta de lesões da comissura posterior. O segundo grupo compreende perturbações da voz, desde a pequena rouquidão até a afonia. A causa principal de tais sintomas é a lesão das cordas verdadeiras, ou perturbação em seus movimentos. A infiltração das falsas cordas dificulta a ad e abdução das verdadeiras, causa pequena rouquidão e tendencia à fadiga. Estes sintomas são agravados pelo uso excessivo da voz. O terceiro grupo de sintomas refere-se ao ato da deglutição, mais comumente acompanhado de dor. A contração das pregas ariteno-epiglóticas, produz pressão do pericondrio inflamado e, por conseguinte, irritação nas terminações nervosas proliferadas.

Essas dores são agudas e em geral extendem-se aos ouvidos. Sendo as dores mais fortes por ocasião dos liquidos, em vista de exigir esse ato contrações mais violentas, os pacientes queixam-se de sequidão da laringe. A ingestão de agua consegue mitigar essa sensação desagradavel, mas a deglutição de líquidos provoca tais dores que o doente evita beber. Mesmo a saliva, por esse motivo, é cuspida fora e a consequencia é a completa desidratação dos tecidos.

Em quarto logar nota-se obstáculo à respiração. Alem da dispnéia comum dos processos pulmonares, os doentes, nos casos avançados , da laringe, sentem que o ar não passa suficientemente pela glote, aumentando a precariedade de seu estado.

São tão características as queixas dos doentes, que é possivel, só pelo interrogatório, saber se as lesões localizam-se na comissura posterior, nas cordas vocais, ou na epiglote e aritenóides. A combinação de todos os sintomas afirma a existencia de uma lesão mais avançada.

Tipos clínicos.

Assinalam-se, na faringite tuberculosa, quatro tipos clínicos principais: super-agudo, agudo, sub-agudo e crônico.

O super-agudo ou tuberculose miliar da laringe, é caracterizado por fenômenos muito graves. A disfagia é o primeiro sintoma que aparece. - Encontra-se este tipo nas tuberculoses miliares pulmonares e constituem as formas hematogênica fulminantes. A laringoscopia revela inflamação da epiglote e de outras partes da estrutura da laringe. Vêem-se tubérculos frequentemente; ha rápida tendencia para ulceração e necrose; o doente queixa-se de dores irradiantes para os ouvidos; febre alta. O êxito letal sobrevem após tres a oito semanas em inanição e toxemia, não sendo raro observar-se a meningite. Alem da laringe, são também comprometidos os outros órgãos das vias aéreas superiores.

Tipo agudo. - E' mais comum nas tuberculoses hematogênica e mais raro nas broncogênica. As queixas dos doentes são aqui menos intensas. A laringoscopia revela, como no tipo superagudo, infiltração da epiglote e das aritenóides, bem como das cordas vocais. Podem chegar os casos até à ulceração, mas ha uma certa tendencia para a fibrose e para a cura, especialmente se o processo pulmonar regredir.

O tipo sub-agudo caracteriza-se por um pseudo edema da laringe, com tendencia para a fibrose. E' encontrado na forma exsudativa da tuberculose pulmonar. Os sintomas são pouco pronunciados, dependentes do local da lesão: rouquidão, sequidão, quando a fibrose é extensa.

O tipo crônico é o que oferece melhor prognóstico. Caracteriza-se por infiltração dura de parte ou partes da laringe, com pronunciada tendencia para a fibrose e cura. Os pacientes de pouco se queixam: ligeira rouquidão e sequidão da garganta. O prognóstico quanto à vida e quanto à voz é muito favoravel.

Diagnóstico.

Todos os doentes de tuberculose devem submeter-se a um exame laringoscópio, porque cerca de 20% dos casos de afecção específica desse órgão, não apresentam sintomas subjetivos. No diagnóstico diferencial é preciso ter em vista a sífilis, os traumatismos, os tumores malignos etc. Não é necessário, porém, ater-se o especialista unicamente a seu exame objetivo, pois o laboratório e a radiologia têm elementos para dirimir qualquer dúvida.

Tratamento.

Como em qualquer outra tuberculose, o tratamento mais importante da forma laringitica é o repouso. Todo o processo tendente a abolir a tosse e a expectoração, é aconselhavel. E o melhor meio para obter-se o repouso da laringe é o silencio. A medida mais geralmente aconselhada é o uso da voz cochichada. Mas é preciso notar que o cochicho é mais prejudicial que benéfico, pois que exige do órgão um esforço ainda maior que a voz comum. O cochicho precisa ser labial e lingual e não vocal. Os doentes devem aprender a falar assim como falam aqueles que sofreram a laringectomia.

Inicialmente praticam a palavra labio, por exemplo, usando apenas os labios e a língua e, daí, sob a mesma orientação, as outras palavras. Se isso for muito difícil, será preferível usar a voz pausada em tom bem baixo, ou em último caso, a escrita.

A helioterapia natural ou artificial tem dado bons resultados, sobretudo nas lesões indolentes. Nos grandes sanatórios são usadas lâmpadas de quartzo com resfriadores hidráulicos. Wessely tem tido ótimos resultados com sua lâmpada original. Quando existem granulações, estas podem ser extirpadas com o cautério. Esse processo alivia não só o prurido, como a tosse dele decorrente. As dores cruciantes da deglutição são um dos maiores problemas para debelar. Recomendam-se medidas paliativas como inalações de anestesina em partes iguais com ortoformio, cocaina e alcoolização do ramo externo do nervo laringêu superior. Este último processo não dá todavia, um alivio prolongado. Em último caso deve-se proceder ao arrancamento desse ramo.

Prognóstico

A capacidade de cura da laringite tuberculosa é muito maior do que é geralmente aceito. As cordas vocais, por exemplo, podem sofrer processo tão intenso que delas restem apenas vestígios, com absoluta perda da voz e, no entanto, as lesões regredirem de tal forma que, a um exame superficial, serem tidas como normais e a voz quasi tão clara como num indivíduo são.

De um modo geral, o prognóstico depende da forma pulmonar.




Recebido pela Redação em 15.12-1939.
(*) Adjunto da Santa Casa. Assistente de Clinica do Instituto de Higiene.

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