Ano: 1940 Vol. 8 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (4º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 29 a 34
LIPOMA DA CAVIDADE NASAL
Autor(es): ARISTIDES MONTEIRO (1)
CLINICA OTO-RINO-LARINGOLOGICA DA UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO
Catedrático: Prof. João Marinho
C. M. sexo feminino, branca, casada, brasileira, procurou a clínica ORL. do Hospital S. Francisco, por se queixar de falta de ar da narina direita. Observam-se pela rinoscopia anterior cartuchos turgidos enchendo a cavidade nasal, em ambos os lados, com bôa retração a adrenalina. Fez-se uma indicação de galvano-cauterização. Cerca de um ano depois, volta a consulta, dizendo que do lado direito, continuara a respirar mal. Examinamos novamente este lado do nariz e vimos um pequeno tumor do tamanho dum grão de feijão preto, bem a entrada da cavidade nasal, com base de implantação situada no assoalho nasal, a dois, tres milímetros da região limite entre a narina e a fossa nasal. Era móvel, pedicelado, de cor branco-amarelado, superfície irregular, ligeiramente rugoso não sangrando ao toque do estilete. Fizemos a retirada com um polipotomo, e tocamos o ponto de inserção com acido cromico a 50%. Nenhum sangue. Mandamos a peça operatoria para exame histopatologico e com oito dias tudo cicatrizado demos alta a doente.
O resultado que nos veio foi o seguinte: lipoma (DR. OSWINO PENNA). Dois anos depois revimos novamente a doente, tudo bem.
Como se vê, trata-se de um caso banal de um pequeno tumor da cavidade nasal que iria para o rotulo de polipo ou outra qualquer designação, si não fizéssemos enviar, como habitualmente se faz no serviço do PROF. MARINHO, toda a peça operatoria ao exame histo-patologico. Sem este complemento indispensavel ao diagnostico, não contaríamos agora com mais um caso interessante pela localização e raridade.
O arquivo de laminas do serviço do PROF. MARINHO, feito desde a fundação da clínica em 1923, contem casos dos mais interessantes na especialidade e que estariam perdidos senão tivessemos o habito sistematico da biopsia. Fazemos daqui um apelo aos especialistas nacionais para se dedicarem com mais fervor à anatomia patologica da O. R. L. Em pouco tempo estarão como nós, com um excelente arquivo de laminas e peças, testemunhas irrefutaveis de seus trabalhos cirurgicos e clinicos.
Os lipomas da cavidade nasal são tumores raros na nossa especialidade, formados a custa do tecido adiposo. Sabemos que normalmente, como demonstrou ZUKERKANDL, não existe na mucosa nasal esta variedade de tecido. Por isso, como interpretar à luz dos conhecimentos atuais histo-patologicos, estas formações tumorais na cavidade nasal? A questão não é de facil resposta. Temos que considerar primeiro a origem e formação da célula e do tecido adiposo, para ver si com estes dados poderemos descobrir algo para a resposta à pergunta feita.
De um modo geral, o tecido adiposo é disposto em todo o organismo como um paniculo, de preferencia abaixo da pele, com sua triplice função de proteção, resistencia à pressão e acumulo de reserva nutritiva, ulteriormente utilizada pelo organismo. Já vimos linhas acima, que ZUKERKANDL, não admite - e demonstrou a Gompers - que normalmente exista tecido adiposo na mucosa nasal; tambem diz o celebre professor de Viena, ser dificil a penetração do tecido gorduroso pelo bordo da cartilagem triangular, uma das hipoteses aventadas pelo autor do unico caso, até então descrito, de lipoma da fossa nasal.
GOMPERS, pensa que as celulas do tecido conjuntivo, mostram uma tendencia em se transformarem em tecido gorduroso, considerando-o como um tecido paralelo ao sub-mucoso. Fala tambem o autor alemão no trauma, condição das mais conhecidas para a genese dos blastomas e ajunta que a rinite atrofica de que sofria o seu doente, talvez tenha facilitado a neoformação tulnoral. Com referencia a esta ultima hipotese de Gompers, ela se baseia provavelmente nas conhecidas idéias de KRAUSE e HABERMANN para explicar a fetidez na ozena, que acreditavam na degeneração gordurosa do epitelio glandular da mucosa nasal. Estudos posteriores porem demonstraram com LORDES, que outras afecções nasais alem da ozena, apresentam aquelas transformações tecidulares, não se justificando pois a hipotese daqueles dois autores acima citados.
GOMPERS termina as suas considerações para explicar a formação da gordura, sustentando que se pode tratar dum processo de involução ou de metamorfose; inclina-se mais para este ultimo, pois observou uma infiltração de celular redondas no tecido conjuntivo do tumor, que segundo sua opinião, impregnar-se-iam de tecido gorduroso. LEVI tambem escreve, que tardiamente, outros tecidos podem se transformar em adiposo.
LIPOMA DA CAVIDADE NASAL
O conceito atual da gênesis do tecido adiposo está baseado na presença de fibroblastos que se podem converter em celular adiposas em qualquer região do corpo onde exista tecido conjuntivo frouxo; esta transformação pode ser primaria ou secundaria. A primeira realisa-se à custa de pequenos nodulos de constituição lobar, semelhante a uma glandula; a segunda já enunciada ao descrevermos o conceito atual, opera-se constantemente no tecido conjuntivo subcutâneo, nos ultimos meses da vida fetal, nos primeiros anos da vida e em certas idades de acordo com o estado de nutrição e constituição individual (LEVI).
No nosso caso, o tumor si bem que situado em plena mucosa da cavidade nasal, tinha uma inserção proxima do limite entre a narina e a fossa nasal. Apresentava ao corte histologico, formações musculares aberrantes, daí pensarmos que tenha sido alguma fibra, que se tenha originado dos musculos da aza do nariz, região muscular mais proxima do local onde foi observado o tumor. A doente não se queixava de passado inflamatorio nasal, que fizesse supor uma condição predisponente; era de complexão franzina, sem tendencia a adiposidade e mulher, por conseguinte, com menor possibilidade para o trauma. Não podemos enquadrar a origem do tumor que apresentamos em nenhuma destas hipoteses; somente nas já conhecidas, que regulam o moderno conceito da genese dos tecidos adiposos no organismo.
Por ultimo WASSERMANN, citado por Levi, baseando-se nos caracteres morfológicos dos elementos que estão em vias de se transformar em celular adiposas, pensa que estas ultimas são de procedencia histiocitaria. O conhecimento do S. R. E. como vemos domina a medicina moderna.
Pesquisando a literatura especializada, só encontramos o caso de GOMPERS que lemos no original. Tratava-se dum homem de 60 anos no qual o autor necessitando fazer um cateterismo, observou do lado esquerdo do nariz, em plena cavidade nasal, um tumor a cerca de 2 e meio cm. da ponta do nariz, pendente da parede superior, onde a cartilagem triangular no seu ponto de inserção confunde-se com o osso proprio. Era do tamanho duma cereja. O doente era portador duma rinite atrofica e sofria de frequentes epistaxis. Operação simples; o tumor apresentou-se como um polipo nasal. O diagnostico como aconteceu ao nosso caso, foi um achado de laboratorio. Onze meses após a extração, via-se no lugar do tumor um abaulamento coberto por mucosa brilhante.
O caso de Gompers foi semelhante ao nosso e graças ao exame histo-patologico pode este autor individualizar a natureza histologica do tumor. Ha quarenta e cinco anos que a literatura não forneceu mais nenhum caso, apesar de termos pesquisado cuidadosamente, contudo pode ser que nos tenha escapada alguma outra referencia. E' pouco provável. O nosso caso aqui estudado é o pois ao que sabemos o segundo observado até agora.
TERRACOL no seu livro classico, ao falar dos tumores benignos das fossas nasais, cita a opinião de POLITZER, dizendo que eles são raros. Pela ausencia de citação de autores franceses, vê-se que a literatura gaulesas desconhece esta especie de tumor, não citando o professor da Faculdade de Montpellier, o unico caso de Gompers. CHIARI deixa-nos perplexos ao lermos no seu tambem classico livro: - "Lipome sollen in einige Fällen beobachtet werden sein. O plural da frase do antigo professor de rinologia de Viena, surpreende-nos; "teriam sido observados" diz ele; onde e quando, não fornece dados. O seu livro é de 1902. Nessa epoca, só o caso de Gompers era conhecido.
Todos os outros autores que compulsamos só se referem ao caso de Gompers, como sejam ZARNIKO, ECKERT-MOEBIUS ONODI-ROSEMBERG.
RESUMO
O A. descreve o caso dum lipoma da cavidade nasal, numa mulher. O tumor era do tamanho dum grão de feijão preto, bem a entrada da fossa nasal, com a base de implantação situada no assoalho, a dois, tres milímetros da região limite entre a narina e a cavidade nasal. Era móvel, pediculado, de superfície irregular, de cor branco-amarelado, ligeiramente rugoso, não sangrava à pressão do estilete. Extração com o polipotomo. Nenhum sangue. O exame histopatologico verificou tratar-se dum lipoma. Havia algumas fibras musculares de permeio com o tecido adiposo, para explicação das quais aventamos a hipotese de serem aberrantes, oriundas da vizinhança dos musculos da aza do nariz. Alta curada, sem recidiva dois anos depois.
LIPOM DER NASENHOEHLE
ZUSAMMENFASSUNG
Der V. beschreibt einen Fall von Nasenhoehlenlipom bei einer jungen Frau. Die bohnengrosse Geachwulst lag am Eingange in die Nasenhoehle, und dia Implantationabasis befand sich auf der Bodenflaeche, 2 - 3 mm. von der Grenzlinie zwiachen Nazen-Loch und - Hoehle entfernt. Die Geachwulst war beweglich, geatielt, von unregelmaessiger, ein wenig gerunzelter Oberflaeche und von gelblich-weisser Farbe; der Sondendruck verursachte keine Blutung. Abtragung mit Polypotom. Keinc Blutung. Die hiatopathologische Untersuchung stellte fest, dass es sich um ein Lipom handelte. Das Fettgewebe durchquerten einige Muskelfasern die, vorauageaetzterweise, von den Nachbarmuakeln des Nasenfluegela abirrten. Geheilt entlaasen; zwei jahre spaeter kein Rueckfall.
LIPOMA OF THE NASAL CAVITY
SUMMARY
The A. describes a date of lipoma of the nasal cavity in a young woman. The tumor was the size of a bean, just at the entrance of the nasal fossa, with its implantation basis situated on the floor, at 2 - 3 mm. from the boundary line between the nostril and the nasal cavity. It was movable, pedunculated, of an irregular, lightly wrinkled surface, of yellowish-white colour, and did not blead on preasure with the stilet. Extraction with polypotome. No hemorrhage. The histopathological examination showed we were dealing with a lipoma. Amongst the fatty tissue there were
some muscular fibres which, as we suppose, are aberrant threads of the neighbouring muscles of the nosewing. Discharge on cure, without relapsing two years later on.
LIPOME DE LA CAVITÉ NASALE
RÉSUMÉ
L'Auteur rapporte le cas d'un lipome "de la cavité nasale chez une femme. La tumeur, localisée à l'entrée de la fosse nasale et dont la grandeur était déjà d'un pois, avait sa base d'implantation sur le planché, à deux ou trois millimètres de la région entre la narine et la cavité nasale. Elle était mobile, pédiculée, légèrement rugueuse, na saignant paz à la pression du stylet. L'extraction en a été faite à l'aide du polypotôme. Absence de sang, L'examen histopathologique a montré qu'il s'agissait d'un lipoma. Il y avait, parmi le tissu adipeux, quelques fibres musculaires, pour l'explication desquelles nous leur avons attribué la qualité d'aberrantes, provenant du voisinage de l'aile du nez. Guérison, sans récidive, au bout de deux ans.
LITERATURA
ALEXANDER A. - Ueber das Wesen der Ozena - Arch. f. Laryng. Bd. 22.5.260.1909.
CHIARI O. - Dia Krankheiten der Nase - F. Denticke. Wien. 1902.
CHOLEVA E CORDES - Zur Ozasnafrage - Arch. f. Laryng. Bd. VIII. S. 49. l898.
ECKERT-MOEBIUS - Gutartige Geschwulste der fnneren Nase. Denker-Kahler - Bd. V. 5. 107. Springen - Berlin, 1929.
GOMPERS B. - Ueber das Vorkomen von Lipomen in der Schleimhaut der Nasenhöhle - Mschr. Ohrenheil. Bd. 28. 5. 280. 1894.
HABERMAN J. - Zur patholog. Anatomia der Ozaena simples s. vera. - Zeit. f. Heilk. Bd. VIII. Prag.1886.in Alexander op. cit.
KRAUSE H. - Zwei Sektlonsbefunde von reinar Ozaena - Virchows Arch. Bd. 85. l88l, in Alexander op. cit.
LEVI G. - Tratado de Histologia - Labor. l93l.
ONODI A. - Pathologie u. Therapie der Nasenkrankheiten - Hölder. Wien. 1910
ONODI - ROSENBERG - Die Behandlung der Krankheiten der Nase u. des Nasenrachens. O. Coblentz. Berlin. l906.
TERRACOL J. - Les maldies dez fosses nasales. - Masson. Paris. l936.
ZARNIKO C. - Die Krankheiten der Nase u. das Nasenrachens. - S. Karger. Berlin. l9l0.
ZUKERKANDL - Normal u Pathologogische Anatomie der Nasenhöhle. - Braumüller. Wien. l893.
Recebido pela Redação em 22-11-1939.
(1) Docente na Universidade. Assistente da clinica.