Versão Inglês

Ano:  1971  Vol. 37   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - (10º)

Seção: -

Páginas: 295 a 299

 

Disostose Mandibulo Facial*

Autor(es): Esther M. Danielli Nicola 1,
Moacyr Soffer 2,
Márcio Demeneghi 3,
Nicanor Letti 4
No A. KM 5

Introdução

As síndromes disostóticas do 1.° e 2.° arco branquial são muito raras. Desde as clássicas descrições de Treacher-Collins1, Waardenburg, Franceschetti e Klein2, 3, 4, 5, a síndrome do primeiro arco branquial foi muito bem descrita em seus mínimos detalhes. Vários autores tem relatado novos casos que apresentam variações pequenas mas que permitem a evidenciação e o enquadramento típico na síndrome descrita.

Caracteriza-se pelos seguintes aspectos morfológicos:

1 - presença de fissura palpebral antimongólica. 2 - hipoplasia dos ossos zigomáticos (malares). 3 - malformações da orelha externa, ocasionalmente da orelha média e implantação baixa do pavilhão auricular. 4 - tendência a macrostomia e abóbada palatal ogival. 5 - podem ocorrer também crescimento atípico do cabelo e fenda palatina.

Segundo Waardemburg33 e Grabb4 a síndrome completa é bilateral, mas apresenta grandes variações fenotípicas.
A finalidade desse trabalho é relatar um caso de síndrome de Treacher, Collins, Franceschetti estudado no serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Caso clínico

C. T. P., fem., branca, 11 a, de Camaquã (RS), residente em P. Alegre, consultou em 27/9/70. Uma tia trouxe a menina por apresentar grande dificuldade na deglutição, refluxo de alimentos para o nariz e pela fala "fanhosa" (sic).

A menina desde o nascimento apresenta o rosto com uma série de deformações (Fig. n.° 1, 2). A articulação das palavras é boa. Não ouve bem desde o nascimento mas desenvolveu bem a linguagem. Nasceu de parto domiciliar, normal e a têrmo. A mãe nega alterações durante a gestação. Teve desenvolvimento motor, segundo os pais, regular. No primeiro ano de idade um grande eczema facial e surtos de adenoamigdalites. Os pais, irmãos e parentes são normais. Não relatam a existência de outro parente com deformidades semelhantes à da paciente. Ao exame físico: tem 24 Kg, 1,29 m de altura, atitude indiferente, tensão arterial e pulsos normais, bom estado nutritivo. Pele e fâneros normais. Crâneo de conformação normal. Na face encontramos micrognatismo e hipoplasia da arcada zigomática. Na palpação apresenta ausência de ossos malares de ambos os lados. Tem microftalmia, prega: antimongólica e prega epicântica. Hipodesenvolvimento e deformidade do pavilhão e meato acústico esquerdo (microtía). Pavilhão direito com implantação baixa e porção superior da helix anormal. Nariz normal. Palato ogival e fissura do palato mole incompleta com úvula bífida. Amígdalas hipertróficas e com caseum. Pescoço, torax e abdome normais. Membros e sistema nervoso e gênitourinário normais. Ao exame acumétrico apresenta Rinné negativo bilateral e Weber lateralizado para a E. O audiograma (Fig. n.° 3) não tem via aérea à E mas apresenta óssea normal. No lado D tem disacusia de condução com excelente discriminação. No exame radiográfico do crâneo não existem anormalidades cranianas ou endocraneanas. Na face existe hipoplasia dos ossos malares, e do temporal E, não se visualizando o meato acústico externo e a caixa timpânica (Fig. n.° 4, 5 e 6). Está em estudo familiar após se tentar um aconselhamento genético. A fissura palatina foi suturada o que possibilitou uma pequena melhora da fala, e deglutição. Está em estudo, a fim do cirurgião plástico conseguir uma melhora estética facial.



FOTO 1 - Fotografia da paciente na qual vemos a ausência dos ossos malares e fissura palpebral antimongólica.



FOTO 2 - Fotografia de perfil da paciente na qual vemos a microtia e as alterações palpebrais.



FOTO 3 - Audiograma da paciente onde verificamos disacusia de condução no lado D a ausência de via aérea no lado E com óssea normal.



FOTOS 4, 5, 6 - Aspectos radiológicos do crâneo e face da paciente.



Discussão

As deformidades faciais da paciente (Fig. n.° 1, 2, 3, 4) confirmadas pelo estudo radiográfico, a microtia unilateral e agenesia do meato acústico externo do mesmo lado, nos permitem com segurança afirmar que se trata de um caso de síndrome do 1.° arco branquial ou disostose mandíbulo facial (síndrome de Treacher-Collins Franceschetti). O 1.° arco branquial compõe-se de uma porção dorsal e pequena chamada processo maxilar que se estende para frente e abaixo da região ocular que dá origem ao malar, maxilar e parte do processo zigomático. A segunda porção do 1.° arco branquial chama-se processo mandibular ou cartilagem de Meckel que dá origem a mandíbula, músculos da mastigação e no seu extremo dorsal ao pavilhão auricular; meatos e os ossículos martelo e bigorna da orelha média. A perturbação no desenvolvimento destas estruturas ocasionam o síndrome de que é portadora a paciente. Segundo Grabb6 a disostose geralmente é bilateral com predominância mais de um lado que do outro e ocorre em 1 caso para cada 5642 nascimentos. Em nosso caso a orelha direita não está afetada, como também os músculos mastigatórios tem bom desenvolvimento. A disostose mandibulo facial é mais freqüente no sexo masculino (3/2) que no feminino. É muito rara na raça negra. A paciente apresenta uma disacusia de transmissão no lado D, por provável mau arejamento e disfunção tubária à D. Sòmente um estudo mais profundo como uma timpanotomia exploradora poderão esclarecer se não existe anomalias construtivas da orelha média direita. Mann7, McKenzie, Craig8 e Stovin9 relacionam a disostose mandíbulo facial com os problemas de regressão da artéria estapedial. Este último autor verificou pela dissecção cuidadosa ausência dêste vaso em uma criança de 21/2 meses. No embrião de 12-15 mm, a artéria estapedial é ramo da carótida interna e se distribui segundo os ramos do nervo trigênio. O ramo infraorbitário se distribui na área exata dos problemas hipoplásicos da paciente. Em embriões de 15-17mm se desenvolve um ramo anastomotico entre a carótida externa e o tronco da artéria estapedial. Esta anasmotose mais tarde transforma-se na artéria maxilar interna. Segundo Baron'O e Altmann11 um problema qualquer durante esta fase embrionária de transformação e modificação vascular será a causa do aparecimento da disostose mandíbulo facial. Kognigsmarlzlz inclui esta síndrome como doença de transmissão autossômica dominante. Rovin e co1.13 afirmam que o responsável é um gem dominante com penetrância quase completa de transmissão de geração para geração. No estudo de parentes próximos da paciente entretanto não encontramos outro caso. Muitas vêzes em síndrome de disostose mandíbulo facial encontram-se problemas de retardo mental, a paciente em questão apresenta excelente desenvolvimento psíquico. Está em tratamento de recuperação estética, já tendo realizado palatoplastia com sucesso parcial.

Resumo

Apresentamos e comentamos o caso de deformidade facial congênita em uma menina de 11 anos. O aspecto construtivo facial é típico de disostose mandíbulo facial ou síndrome de Treacher Collins -Franceschet-
ti. A paciente apresenta excelente desenvolvimento psíquico e está em recuperação estética.

Summary

We present and comment about a case of congenital facial deformity in al. 11 year-old girl. The faties of the patient is typical of mandibulo Facial Disostosis or Treacher-Collins-Franceschetti syndrome. The patient presents excelent psychic development an is undergoing esthetical repair surgery

Bibliografia

1. Collins, F,. T. - Case with symetrical congenital notches in the outer part of each lower lid and defective development of the malar bones. Trans. Ophth. Soc. U. Knigdow 20: 190, 1900.
2. Waardenburg, P. J. Franceschetti, A. Klein. D, - Genetics and ophtalmology - vol. 1: 372-379, 1961, Springfield, Illinois, USA.
3. Waardenburg, P. J. a Navis H. - Beitrag our Kenntris der Dysostosis mandibulofacialia und ihrer outogenese. Acts genet, et Statis. Med. 1: 219, 1949.
4. Franceachetti, A - Un syndrome nouveau, la dysoatose mandibulo-facial. Bull schweiz alad med. Wiasench. 1: 60-66, 1944.
5. Franceschetti, A. Klin, D. - Mandibulo-facial dysostosem new hereditary syndrome. Acta ophtal. 27: 143-224, 1949.
6. Grabb, W. C. - The first and second Arch Syndrome. Plastic and Reconstruct. Surg. 86: 486-505, 1965.
7. Mann. 1 - Developmental abnormalities of the eye. New York, Macmillan Co. 1937.
8. Mckenzie, J. a Craig, J. - Mandibulo-facial Dysostois: Arch. Dis. Childhood 80: 891, 1966.
9. Stovin, J. J., Lyon, J. A., a Clemmene, R. L., - Mandibulo-facial dysoatosis Radiology 74: 226-231, 1960.
10. Baron, H. S. - Persistent atapedial artery, necrosis of the incus, and others problems which have influenced the choice of technique in stapes replacement surgery in otosclerosis. Laryngoscope 73:769-782, 1963.
11. Altmann, F. - Anomalies of the internal corotid artery and its branches treir embryological and comparative anatomical significance. Laryngoscope 57: 813, 1947.
12. Kognigamark, B. W. - Hereditary deafness in man - New England Journ. of. Med. 281: 713, 1969.
13. Rovin, S. Dachi, S. F., Boreiestein, D. B., Cotter, W.. B. - Mandibulo-facial dysostosis, a familial study of five generations Journ. of Pediatrics 65: 215-221, 1964.




* Trabalho realizado no serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da U. F. R. Q. S. (Serviço do Prof. Ivo Kuhl).
1 Médico residente.
2 Médico assistente da cadeira de Otorrinolaringologia da Faculdade Católica de Medicina. P. A.
3 Médico residente.
4 Prof adjunto da disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da U. F. R. Q. S.
5 Prof. titular de O. R. L. da Faculdade de Medicina da U. F. R. G. S.

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