O ruido e seus efeitos nocivos sôbre o organismo humano
Autor(es): Armando Paiva de Lacerda
O ruído age sôbre o organismo humano de várias maneiras, prejudicando não só o funcionamento do aparelho auditivo como comprometendo a atividade física, fisiológica e mental do indivíduo a êle exposto. Todos conhecemos, por experiência própria, as sensações determinadas pela proximidade de fonte sonora de elevada intensidade, seja sob a forma de tensão dolorosa da cabeça, de contração dos músculos faciais, seja sob a de distúrbios auditivos ou visuais, de sensação de constrição torácica, de palpitações e de mal-estar. Os ouvidos ficam zunindo, parece a cefaléia, o atordoamento e, sobretudo, a sensação de fadiga semelhante a que ocorre após intenso esfôrço. Experimentamos a ação desagradável do ruído ao visitarmos fábricas ou participarmos de festas, discussões, debates acalorados, ou ao entrarmos em ambientes movimentados e barulhentos. Resulta muitas vêzes difícil a percepção da palavra pronunciada pelas pessoas, mesmo a pequena distância, sentindo-se alívio ao nos afastarmos dêsses locais ruidosos. Outros aspectos fisiológicos e patológicos de ruído conduziram a novos dados obtidos nos últimos anos sôbre os seus efeitos relativamente à saúde mental e ao rendimento do trabalho, bem como à influência que exerce na gênese de enfermidades orgânicas. Vem-se admitindo, sobretudo nos Estados Unidos, que os habitantes das cidades se acham mais expostos à surdez do que o das zonas rurais. Dougherty e Welsh, que estudaram melhor êsse problema, estimam que a "contaminação da atmosfera urbana pelo ruído se converteu em ameaça à saúde pública". Graves prejuízos poderiam advir para a audição e a saúde em geral de milhares de pessoas, em conseqüência da poluição acústica causada pelos ruídos excessivos dos grandes centros urbano. O ruído agiria sôbre todo o organismo e não apenas sôbre o órgão auditivo. Os habitantes de áreas silenciosas estariam menos expostos à hipertensão e às arteriopatias do que o das grandes cidades, apesar de não se haver podido estabelecer maior relação entre as doenças arteriais e a perda auditiva.
Sabemos que os ruídos que ouvimos habitualmente nas ruas, como os de motores ou buzinas de automóveis, de motocicletas, de sirenas de veículos de socorro, de aviões, sobretudo a jato, de helicopteros, das máquinas de construção, do vozerio das pessoas, etc., são sons desagradáveis que resultam de vibrações irregulares que podem ferir o equilíbrio sonoro com grave repercussão sôbre o aparelho auditivo e as funções orgânicas. Glorig propôs o termo "sociacusia" para definir a perda auditiva atribuída à vida na sociedade moderna. Os estrepitosos ritmos da música moderna dariam, por exemplo, sua contribuição aos efeitos nocivos do ruído sôbre o órgão auditivo. A pesquisa dos níveis sonoros em clubes ou locais, onde dominam a guitarra elétrica e outros instrumentos estridentes, demonstrou que, em geral, ultrapassam o limite permitido para a indústria, levando-nos a admitir que tanto os músicos como os ouvintes estão se expondo a uma presbiacusia antecipada. Experiências levadas a efeito por Lipscomb, utilizando uma instalação estereofônica de alta fidelidade no laboratório da Universidade de Tennessee, demonstraram que cobaias expostas durante horas ao estrondo de baterias, guitarras elétricas e dos gritos dos cantores apresentavam no exame histológico graves danos do ouvido interno com destruição das células auditivas que transformam as ondas sonoras em impulsos nervosos.
No ruído podemos distinguir dois fatôres principais:
1.º freqüência: o número de vibrações por segundo emitidas pela fonte sonora, produzindo ruídos de baixa freqüência (20 a 300 Hz), de média freqüência (300 a 6000 Hz), ou de alta freqüência (6000 a 20.000 Hz). Abaixo de 20 Hz estão os infra-sons e acima de 20.000 Hz os ultra-sons. Os rumores por vibração de alta freqüência são mais desagradáveis e prejudiciais para o ouvido. Os ruídos de baixa freqüência, embora mais suportáveis pelo ouvido, produzem efeitos orgânicos gerais mais acentuados.
2.º intensidade: os ruídos inferiores a 40 decibéis são apenas desagradáveis, os ruídos de 40 a 90 decibéis já se tornam capazes de promover distúrbios nervosos e os superiores a 90 decibéis possuem ação mais traumatizante para o ouvido.
Outras características importantes são a duração da exposição ao ruído, a influência do ritmo e a continuidade ou descontinuidade do ruído. Para a mesma intensidade são mais prejudicais os ruídos descontínuos, por serem mais traumatizantes que os contínuos, criando êstes mais fàcilmente o hábito. Autores americanos procuraram estabelecer, por meio de estatísticas, a importância dos distúrbios provocados pelo ruído entre a população das cidades. Determinaram o nível sonoro e o espectro do ruído de numerosos centros urbanos, buscando conhecer a opinião dos habitantes expostos aos diversos rumores. Os resultados mostraram que nas zonas onde o nível acústico era de 60 decibéis não havia desconfôrto, desde que o ruído fôsse de baixa freqüência, passando a incomodar quando de média ou de alta freqüência. Maugeri estudou o barulho das ruas em distritos da provincia da Lombardia, Itália, procedendo ao registro do nível sonoro e do espectro do rumor em diversas zonas e condições de tráfego. A presença de oficina mecânica, por exemplo, insere ao ruído urbano de baixa freqüência rumor suplementar de média e alta freqüência. A presença de chafariz determina o aparecimento, no espectro do rumor, de freqüências médias e altas, ausentes quando o chafariz não funciona. Demonstrou que as famosas fontes de Roma produzem um nível acústico muito superior ao permitido nas fábricas. A transmissão dos ruídos urbanos nas casas de moradia não sofre modificações qualitativas com as portas fechadas ou abertas, mas apenas quantitativas no sentido de atenuação da intensidade sonora. Estendeu Maugeri suas pesquisas aos ambientes industriais, verificando, por exemplo, que o ruído do tear de fábricas de tecidos contêm nível sonoro patológico, composto principalmente de altas freqüências. O mesmo acontece em relação ao martelo pneumático usado nas ruas. O rumor que ultrapassa 90 decibéis é sempre perigoso para o órgão auditivo, sendo o perigo tanto maior quanto mais elevada a freqüência do ruído e evidentemente quanto mais longa a exposição ao mesmo. Todos êsses dados nos mostram que na vida comum como nas diversas atividades profissionais o organismo humano se acha exposto à ação de rumores de intensidade e espectro realmente patológicos.
Existem diversas escalas, estabelecendo valôres de ruídos em decibéis acima do limiar absoluto da audição, segundo diferentes autores. A tabela seguinte indica a intensidade aproximada em decibéis de vários ruídos cotidianos comuns:
Nível de referência - 0 a 10 db
Voz segredada - 10 a 20 db
Murmúrio - 20 a 30 db
Conversação corrente - 50 a 60 db
Barulho de rua - 50 a 70 db
Trânsito intenso - 80 a 90 db
Carro de corrida - 80 a 100 db
Trem subterrâneo - 100 a 110 db
Serra circular - 100 a 110 db
Motocicleta - 120 db
Rebitamento - 130 db
Avião - 130 db
Motor a jato - 140 a 170 db
Foguete - 180 db
Níveis de ruído observados em centros industriais de São Paulo:
Média de ruído em indústrias - 90 db
Carpintaria e serraria - 70 a 95 db
Estamparia - 96 a 100 db
Estruturas metálicas - 85 a 105 db
Forjarias e calderaria - 93 a 100 db
Mecânica e metalurgia - 82 a 108 db
Tecidos - 93 a 98 db
Serralheria - 86 a 100 db
Os efeitos nocivos do ruído sôbre o organismo humano podem ser divididos em efeitos fisiológicos (ou fisiopatológicos) e psicológicos. Os primeiros compreendem os efeitos otológicos, de ação específica sôbre o aparelho auditivo, e os extraotológicos ou gerais.
Efeitos otológicos: Ação específica do ruído sôbre as células sensoriais do Órgão de Corti, determinando a hipoacusia de recepção. As lesões se localisam, a princípio, nas células chiadas externas e depois nas células internas. Se o traumatismo sonoro fôr mais violento, ou prolongado, resultará na degeneração das células sensoriais, com acometimento das terminações nervosas cocleares. Em geral, após exposição a ruído muito intenso, aparece o escotoma auditivo em 4000 Hz, ao nível aproximado de 40-50 db, como sinal de fadiga auditiva, que desaparece após 24 ou 48 horas. Quando a ação do ruído persiste por muito tempo, o escotoma se torna permanente e se agrava até 70-80 db, estendendo-se às freqüências de 2000 Hz e 8000 Hz. Em fase mais avançada, ocorre a surdez manifesta por trauma sonoro, com desaparecimento do registro das freqüências agudas e conservação dos tons graves, podendo chegar a uma perda de 80-90 db para todo o campo tonal, na surdez ainda mais severa.
É conhecida há muito tempo a "surdez dos caldereiros" descrita primeiramente por Habermann, que admitia nesses casos a atrofia das fibras nervosas e as lesões da base do caracol, devendo ser atribuídas à influência dos sons altos e fortes durante os trabalhos que executam os caldereiros. Posteriormente os trabalhos experimentais de Wittmaack, Nager, Yoshii, Siebenmann e outros estabeleceram definitivamente que o órgão de Corti pode ser lesado por meio da estimulação acústica excessiva, tendo êsses pesquisadores observado alterações degenerativas principalmente localizadas em níveis cocleares correspondentes a freqüência do som utilizado. Os efeitos nocivos do som sôbre os elementos nervosos do ouvido interno foram confirmados por experiências mais recentes de Stevens, Davis e Lurie, que recorreram aos processos eletroacústicos, utilizando em suas pesquisas tons puros de diversas freqüências e intensidades. As lesões provocadas nas cobaias consistiram principalmente na degeneração, ruptura e deslocamento do órgão de Corti e da membrana basilar, indo até a destruição das fibras nervosas e das células do glânglio espiral, conforme a intensidade e a duração da exposição ao estímulo sonoro. Bunch, estudando a. surdez ocupacional, por trauma acústico, fêz especial referência aos caldeireiros (boilermaker's deafness) e aos indivíduos em geral expostos aos efeitos traumáticos do ruído, descrevendo em tais casos uma condução óssea diminuída, um Rinne positivo e perda maior da acuidade auditiva para os tons mais altos, com atrofia do órgão de Corti e do nervo coclear. Antes que se instale definitivamente a surdez existe um período, cuja duração é variável, em que os fenômenos de fadiga e de recuperação da audição se alternam durante as sucessivas exposições ao ruído a que estão sujeitos êsses pacientes, podendo atingir finalmente ao "dano coclear permanente", segundo a expressão de Chamberlain.
A surdez ocupacional, também denominada profissional, é portanto provocada por contínuas vibrações pesadas em locais de trabalho e resulta da degeneração das células sensoriais do órgão de Corti e de outras lesões dos elementos nervosos cocleares e retro-cocleares. Muitos operários enfrentam grave risco de exposição ao ruído - são os que trabalham na indústria pesada, em fundições, caldeiraria, serralheria, tecelagem, construção e transportes, oficinas de manutenção da aviação, construções navais, abertura de túneis e emprêgo de explosivos. Os sinais iniciais da perda auditiva passam, em geral, despercebidos, a não ser quando se recorre aos testes audiométricos.
Aristides Monteiro, Mauro Penna e J. Manceau empreenderam, no período de 1955-57, minucioso trabalho de pesquisa sôbre a surdez profissional entre os operários do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, estudando o nível de ruído ambiente, a pressão sonora dominante em cada faixa e o espectro de ruído de cada máquina das oficinas. Descreveram 7 tipos de perfis audiométricos observados em 1264 operários dos estaleiros do Arsenal de Marinha, dividindo a perda auditiva que apresentavam em 4 grupos distintos, segundo o grau de lesão encontrado. Verificaram que 70% dos operários apresentavam o mesmo tipo de lesão em ambos os ouvidos, aumentando a proporção de indivíduos com lesões auditivas e a gravidade das mesmas com a exposição ao ruído. Os caldeireiros de ferro apresentavam lesões mais graves que os caldeireiros de cobre. Na análise dos diferentes tipos de audiogramas constataram que a freqüência 4000 Hz havia sido a mais atingida pelo trauma sonoro. Testes neurais foram praticados, inclusive o Tone Decay que só se revelou positivo em 4,3% dos casos, entre as provas supraliminares realizadas nesse sentido. Procederam ainda os A.A. ao exame logoaudiométrico nos operários que apresentavam alterações no audiograma tonal puro, atribuíveis ao trauma sonoro.
A vigilância audiométrica de todos os empregados nas indústrias e na aviação deve ser parte do programa de proteção do ouvido contra o ruído excessivo. A aplicação dos métodos de proteção auditiva deve incluir desde a
medida do ruído nos ambientes em que trabalham os operários, a melhoria das condições de trabalho pelo isolamento acústico até os aspectos educativos sôbre o mecanismo da audição e os sistemas de proteção do ouvido, instruindo-se os empregados a respeito dos dispositivos protetores adequados e da sua melhor adaptação auricular.
Estudos realizados em laboratório e em fábricas revelam que o ruído afeta não só o órgão auditivo do trabalhador, mas em certas circunstâncias pode também diminuir o rendimento e a eficiência de seu trabalho. Um ambiente barulhento produz ansiedade, irritabilidade e fadiga, particularmente entre os indivíduos suscetíveis. Além disso, o ruído pode determinar alterações temporais em diversas funções orgânicas, inclusive no sistema nervoso central.
O contrôle do ruído em locais de trabalho faz parte de um sistema vigente em vários países, como nos Estados Unidos, tornando obrigatório o uso de protetores para os ouvidos e de audifonos, como no Canadá, Áustria, Alemanha, França e outros países da Europa. Na Dinamarca, Inglaterra e União Soviética existem organizações e comissões especiais para estudar os problemas sociais e de saúde pública criados pelo ruído.
No Congresso Internacional de Audiologia (1955) Costerna, Eller e Bourgeois, no relatório sôbre "Tóxicos e ouvido", baseado nos trabalhos de Hamburger, afirmaram que o ruído intenso age, no ouvido animal, de maneira idêntica à das substâncias tóxicas. O estímulo sonoro transformado provàvelmente em potencial elétrico determinaria rápida mutação das proteínas protoplasmáticas das células nervosas auditivas. Ocorreriam, então, processos de despolimerização dos nucleoprótides e modificações no aprovisionamento celular das proteínas, com alterações das diversas enzimas e especialmente da diástase e das ribonueleases. Daí adviria falta ou insuficiência da integração proteica das celular nervosas, anàlogamente ao que se verifica em casos de intoxicações de diversas naturezas.
Efeitos não otológicos ou gerais do ruído: Além da ação específica sôbre o aparelho auditivo, o ruído exerce ação geral sôbre várias funções orgânicas, em detrimento da atividade físico-fisiológica e psíquica do indivíduo. Nestes últimos anos, intensificaram-se os estudos e as pesquisas sôbre os efeitos nocivos do ruído no organismo, a fim de se averiguar quais as reações que se traduzem em alterações patológicas. As pesquisas demonstram que, sob a ação de um ruído repentino, os olhos se cerram, a respiração pára e a pressão arterial aumenta, além de outras reações características. Tudo demonstra que o fenômeno ruído atua no homem como um verdadeiro "stress" e provoca uma reação ergotrópica. Uma vez que o ruído pode modificar os processos fisiológicos, torna-se necessário precisar os seus efeitos extraotológicos e saber se existe realmente uma adaptação funcional ao mesmo.
A ação geral do ruído pode-se exercer no comportamento do sistema neuro-vegetativo. Inúmeras observações clínicas e experimentais têm sido feitas nesse sentido, levando alguns autores a atribuir à influência do ruído algumas afecções consideradas como verdadeiras doenças de adaptação ou a expressão de instabilidade neuro-vegetativa, como por exemplo, a dispepsia, a úlcera gastroduodenal, os distúrbios digestivos, a aerofagia, a obstipação, a hiperreflexia, a inquietação, o estado de angústia (Maugeri). Sob a ação do ruído Laird verificou o aumento do tonus muscular e do dispendio energético, o que foi confirmado posteriormente por Davis, Stevens e colaboradores. Smith e Laird observaram redução do peristaltismo intestinal e da secreção gástrica. As variações da dinâmica circulatória têm sido atribuídas à influência do ruído sôbre o sistema neuro-vegetativo. Lehmann e Tamm, utilizando ruídos puros de diferentes freqüências e ruídos industriais, estudaram em 34 indivíduos as modificações hemodinâmicas e observaram que, na intensidade de 90 phon, na maioria dos casos, verifica-se aumento das resistências periféricas e redução do volume-minuto. As reações circulatórias ocorrem mesmo com rumores industriais, independentemente dos fatores psíquicos e em indivíduos habituados a êles. Jansen e colaboradores demonstraram, por sua vez, que uma intensidade acústica de mais de 70 db provoca vaso-constrição periférica, tanto no laboratório como no ambiente das fábricas. Utilizando-se de inúmeras provas e de métodos fisiológicos (pletismografia, análise da circulação, etc.) comprovaram que a vaso-constrição periférica é um dos principais aspectos da resposta vascular ao ruído. Foi possível observar que o transtôrno da vasoregulação periférica persistiu durante todo o tempo da exposição, inclusive quando esta se manteve por meia hora ou mais. Exceção feita de um aumento inicial da pressão arterial sistólica, que dura poucos segundos e de uma ligeira alteração do pulso, que desaparece depressa, não foi observada nenhuma alteração significativa da pressão sistólica e o ritmo das pulsações se manteve constante durante todo o período de registro. O aumento da resistência periférica, a vasoconstrição confirmada mediante a análise da circulação pelo método do Wezler-Boger, bem como a redução do volume de expulsão, reunidos a normalidade da pressão arterial e do pulso, demonstram que a reação está dentro dos limites fisiológicos. Não obstante, cabe indagar se uma resposta a intensidades sonoras superiores a 90 db poderá resultar num transtôrno da dinâmica circulatória com repercussão sôbre a saúde. Teòricamente parece possível que um ruído capaz de alterar a provisão fisiológica de oxigênio ou a nutrição de determinados tecidos origine uma úlcera gástrica ou outras enfermidades relacionadas com distúrbios do sistema neuro-vegetativo.
A ação do ruído sôbre o sistema endócrino tem sido estudada por diversos pesquisadores. Valade observou os aspectos típicos de ativação intensa pelo ruído de várias glândulas de secreção interna, dentro dos limites fisiológicos. Bugart submeteu aos sons de campainha elétrica de 100 a 120 decibéis, durante 15 a 25 minutos, cobaias mantidas antes em ambientes ruidosos não intensos, mas descontínuos e de intensidade variável, tendo observado morte rápida dos animais. Apresentavam lesões vasculares generalizadas, edma pulmonar e inibição total da tiróide. A região fasciculada do córtex suprarenal mostrava certa redução de sua atividade, a hipófise apresentava picnose dos núcleos e lesões vasculares de tipo hemorrágico e trombótico, e os glânglios linfáticos aspecto hemorrágico e degenerativo. Em suma, obeservou-se síndrome de irritação aguda de Reilly com inibição endócrina. Mais recentemente Bugart realizou experiências com ruídos muito intensos produzidos por turbojatos. Observou que o córtex suprarenal apresentava sensível aumento de espessura e abundantes granulações sudanófilas na zona fasciculada, a hipófise intensa atividade acidófila e quase completo desaparecimento das células beta, e a tireóide mostrava epitélio hiperreativo e intensa reabsorção da substância coloidal vesicular.
O sistema nervoso central é muito sensível à ação do ruído, que provoca a fadiga dos centros cerebrais e perturba seu funcionamento, impedindo freqüentemente o sono e o relaxamento do sistema nervoso. Mosso já havia demonstrado que, sob a ação do ruído mesmo de pouca intensidade ocorre maior afluxo de sangue à superfície cerebral. Kennedy constatou sensível aumento da pressão endocraniana, após a explosão de saco de papel cheio de ar. Deniker e Susini observaram que, sob a influência de sons de 30 a 60 decibéis, verificam-se modificações do eletroencefalograma, tanto maiores quanto mais intenso o ruído. Bugart demonstrou que no coelho exposto a rumor de 130 decibéis durante 4 horas, o encefalograma revela retardamento do ritmo e aumento da amplitude dos complexos. No homem submetido durante anos ao ruído dos motores de aviação, observou êle, achatamento dos traçados com fotoestimulação tanto mais freqüente quanto maior a duração da exposição, concluindo pela interferência da ação perturbadora dos ruídos intensos na eletrogenese cerebral. Segundo Bugart, certos ruídos, como os dos turbojatos agiriam de maneira idêntica à dos traumatismos craniencefálicos contínuos, com acometimento do nervo auditivo. Sob a ação de ruído violento, observa-se atordoamento, enfraquecimento da fala e obnubilação sensorial que se traduz por sensível redução da memória retentiva. A seguir, ocorrem sensação de fadiga, cefaléia, mal-estar, distúrbios psíquicos, inquietude, stress.
Os efeitos psicológicos do ruído têm merecido especial atenção dos estudiosos do assunto, no que se refere ao bem-estar em geral e ao desenvolvimento da atividade individual, ou seja ao aspecto social do ruído. Deve ser levado em consideração não sòmente o ruído perturbador, mas sobretudo as condições psicológicas da pessoa exposta ao mesmo. Em indivíduo psicológicamente equilibrado, o mesmo rumor poderá repercutir diversamente conforme o estado psíquico do momento. Como refere Maugeri, o som da orquestra poderá ser agradável ou desagradável, segundo o estado de espírito alegre ou preocupado de quem ouve. Nos predispostos, o ruído exagera a instabilidade e a irritabilidade; nos deprimidos aumenta a depressão nervosa e provoca obsessão nos angustiados ante a iminência de nôvo ruído. Nos histéricos e epilépticos o barulho pode provocar forte crise, principalmente quando inesperado. Admite-se ainda que o ruído possa determinar fenômenos de excitação e inibição nos indivíduos a êle expostos e, portanto, deve ser considerado como fator muito importante no aparecimento de diversas manifestações psíquicas.
O ruído dificulta o intercâmbio verbal, diminui a capacidade de comunicação por meio da palavra. Para que uma frase seja entendida é necessário que se ouça e se compreenda pelo menos 90% dos fonemas que a compõem. Quando o ruído ambiente aumenta, a pessoa que fala se vê obrigada a altear a voz ou aproximar-se dos ouvintes. A fim de se determinar as distâncias mínimas e o tom de voz necessário à inteligibilidade da fala, deve-se utilizar a escala de ruído proposta pela ISO. Conhecemos a gama de freqüências úteis à inteligibilidade da palavra na curva de audibilidade. Se no ambiente existir rumor na faixa de 500 a 4000 Hz e de elevada decibelagem, a palavra falada não será percebida, impossibilitando a comunicação entre as diversas pessoas. Beranek estabeleceu, por meio de estatística, que, para determinada intensidade de ruído, a voz forte ou gritada só pode ser ouvida até certa distância. Quem fala deve superar de 10-12 db o rumor ambiente, a fim de que sua palavra possa ser ouvida. Esfôrço superior terá como conseqüência a fadiga dos órgãos vocais e a fadiga geral, além dos distúrbios nervosos já anteriormente analisados.
Tudo quanto foi aqui exposto revela-nos seguramente os efeitos patológicos do ruído sôbre a atividade física, fisiológica e psicológica das pessoas, tanto na vida comum das cidades como no exercício de atividades profissionais. Todos os fatos que descrevemos vêm nos mostrar também a necessidade de se prosseguir nos estudos e investigações a respeito do assunto, bem como no emprêgo de meios para atenuar ou impedir a produção ou a propagação de ruídos nocivos ao organismo humano.
Resumo
O Autor estudou os efeitos nocivos do ruído não só sôbre o funcionamento do aparelho auditivo como sôbre a atividade física, fisiológica e psíquica das pessoas a êle expostas. Foram examinados os efeitos otológicos, de ação específica sôbre todo o organismo. Fêz-se especial referência aos aspectos audiológicos do trauma sonoro e da surdez ocupacional, inclusive quanto à vigilância audiométrica dos empregados na indústria e na aviação, a necessidade de proteção auditiva dos operários e melhoria das condições de trabalho. A ação geral do ruído sôbre o organismo foi estudada em suas reações fisiológicas e nas alterações patológicas provocadas em vários sistemas orgânicos. O autor insistiu, por último, na necessidade de se prosseguir nas investigações a respeito do assunto, bem como no emprêgo de medidas para se atenuar ou impedir a produção ou a propagação de ruídos nocivos ao organismo humano.
Bibliografia
Bunch, C. C. Olinical Audiometry - The C. V. Mosby Company, St. Louis, 1943.
Chamberlain, D. - Ocupational Deafness: Audiometric Observations en Aural Fatigue and Recovery - Archives of Otolardngology, U.S.A., Abril 1942.
Documenta Geigy: El ruido - 1967.
Hipoacusia, escala de ruídos: Notas Terapêuticas n.ºs 3 e 4, 1961.
Langenbeek, B.: Textbogk of Practical Audio. metry - Edward Arnold (Publishers) Ltd. - Londou, 1966.
Lanerds, A. P.: Aspectos da surdez na pesquisa audiométrica - Livraria Agir Editôra, Rio de Janeiro, 1946,
Lurie, M. Davis, H. e Hawkins, J.: Acoustic Trauma of Organ of Corti in Guines Pig, Year Book of Eye, Ear, Nose and Throat, 1945.
Maugeri, S.: Patologia do ambiente ruidoso - Resenha Clínico-Cienitífica n.º 5, Maio, 1962.
Monteiro, A., Penna, M. e Manceau, J.: Acoustic do ruído nos estaleiros do Arsenal de Marinha do Rio do Janeiro como fator de surdez profissional - Memórias do VI Congresso Pan-Americano de Otorrinolaringologia e Broncoesofagologia, Rio de Janeiro, Agôsto, 1958.
Portmann, M. e Portmann, C.: Précis d'Audiometric Clinique - Masson Éditeurs, Paris, 1965.
Sebastian, G., Badaraco, J. e Postan, D.: Audiologia Prática - Editorial Oberon, Buenos Aires, 1963.
Stevens, S. S. e Davis, H.: Hearing, Ita Psychology and Physiology - John Wiley & Sons, Inc. -. U.S,A., 1948.
Striganov, A.: O Ruído, êsse inimigo invisível - Tribuna Médica, Maio, 1969.