Versão Inglês

Ano:  1971  Vol. 37   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - ()

Seção: -

Páginas: 260 a 265

 

Tumor de Glomus da Jugular

Autor(es): Luiz Rogério Pires de Mello 1,
Adalmir Morterá Dantas 2
José Carlos Soddy 3
Luiz Fernando Pires de Mello 4

Introdução

Os glomus são estruturas encapsuladas contendo uma rede de vasos sanguíneos de calibre capilar ou pré-capilar, células epitelióides e terminações nervosas. As células epitelióides contêm um citoplasma granular com núcleo pálido e estão ligadas diretamente às células endoteliais dos sinusóides. Nota-se que estas células não são cromafinicas, observando-se fibras nervosas entre as células epitelióides e sinusóides2. 5. s. 7. 9. 13.

Estas fibras aferentes derivam do nervo glossofaríngeo, do ganglio cervical superior e do ganglio inferior do vago. Von Haller foi o primeiro a descrever a existência do corpo ou glomo carótico em 1743(11). Desde esta época vários quimiorreceptores foram descritos em todo corpo humano; sendo os lugares mais freqüentes os seguintes: 1) corpo carótico; 2) corpo aórtico; 3) corpo pulmonar; 4) glomo jugular; 5) nervo vago; 6) ganglio ciliar; 7) glomero em tecidos moles dos vasos femurais15.

Infreqüentemente pode ser encontrado na fossa nasal8, tendo sido relatado por Parisier um caso, que segundo o autor seria o quarto, publicado na literatura médica.

Yanagisawa e colaboradores16 informam da coexistência do tumor glômico com a otosclerose. As células dos glomos diferenciam-se das células dos paragânglios pelas seguintes características15; 1) Possuem enervação sensorial; 2) Não secretam substância endócrina; 3) Não dão a verdadeira reação cromafínica.

Os quimiorreceptores caróticos e aórticos respondem as mudanças de composição química do sangue isto é, a uma queda de oxigênio ou a um aumento de dióxido de carbono na circulação sangüínea. Êsses impulsos
nervosos partem do corpo carótico através o nervo glossofaríngeo e do corpo aórtico através o nervo vago1, 5, 7. Não se conhece a função dos outros glomus, porém admite-se que possuam função quimiorreceptora2.

As estruturas que formam os glomus da jugular, representam grupos de células não cromafínicas (paraganglioma não cromafínico) encontradas em múltiplos pontos do osso temporal, bulbo da jugular, ramos
timpânicos do nervo glossofaríngico, ramo auricular do vago e gânglio jugular do vago. O glomus jugular do vago é considerado parte do sistema quimiorreceptor o qual inclui o corpo ciliar, o corpo carótico, o corpo vagal, os corpos aórticos e possivelmente estruturas do pulmão2,7,9,11,12, 13,14. Como qualquer glomus constitui-se de células epitelióides separadas por estroma vascular contendo fibras mielinizadas.

Patologia

O glomus da jugular faz parte do sistema quimiorreceptor e foi descrito pela primeira vez por Guild em 19413. 6.7. O têrmo Chemodectoma, introduzido por Mulligan8 em 1950, foi definido como um neoplasma constituído de células quimiorreceptoras, as quais estão associadas com a distribuição dos nervos parassimpáticos que se originam na adventícia dos vasos sanguíneos em estruturas intimamente ligadas com fibras nervosas aferentes ou ao longo dos ramos ou também no gânglio dos nervos glossofaríngico ou vago3. Aproximadamente 50% dos Chemodectomas originam-se na adventícia do bulbo da jugularl3. Rosenwasserl1, I' em 1945 dividiu os tumores do glomus da jugular nos seguintes grupos: 1) Casos nos quais encontramos a membrana do tímpano intácta e uma pequena lesão na orelha média; 2) Casos nos quais a orelha média, o aditus, o antro e a mastóide estão envolvidos; 3) Casos com grande extensão e com comprometimento dos nervos crânicos.

A histologia mostra ninhos de células epitelióides, cercadas por tecido conjuntivo com grande suprimento sanguíneo, tendo a microscopia eletrônica revelado apenas uma variação nos componentes citoplasmáticos. O epitélio é freqüentemente do tipo escamoso estratificado, podendo haver hiperqueratose que pode ser confundida por colesteatoma.

Caso Clínico

M. C. D., 23 anos, fem. br., residente em São Gonçalo-RJ, atendida no HUAP em 15-12-69, matriculada sob n.° 26.289, alegava sangramento e dores na orelha direita há 45 dias que começou de maneira súbita, durante o sono, seguindo-se dormência na hemi-face correspondente. Algum tempo depois notou que havia impossibilidade de fechar o olho direito, tornando a boca desviada para o lado esquerdo. Queixava-se, também, de dormência e fraqueza no lado direito do corpo, mais acentuadas no braço e perna correspondentes. Na orelha direita notamos massa poliposa, de coloração pardo azulada, pulsátil, que se esteriorizava através o meato acústico externo, que ao ser tocada sangrou intensamente, nos obrigando a fazer tamponamento local de emergência. A orelha esquerda nada apresentava de anormal. Orofaringe e fossas nasais sem alterações. Laringoscopia indireta nos mostrava paralisia da corda vocal direita. A inspecção notávamos paralisia facial direita, tipo periférico (fig. 1). Ao exame neurológico a paciente estava lúcida, contribuindo de modo correto com as perguntas que lhe eram dirigidas. Pela inspecção apresentava desvio da comissura labial para a esquerda e incapacidade de fechar totalmente o olho direito. Equilíbrio normal, tonus normal, reflexos profundos ativos tanto para os membros superiores quanto para os inferiores e reflexos cutâneos com esbôço de Babinski à direita. Sensibilidade profunda normal, hipoestesia dos membros superior e inferior direitos, provas cerebelares normais, hipoestesia da face direita e pescoço no lado direito. Reflexo corneano semiabolido no lado direito, paralisia facial no lado direito, hipoacusia do O D, hipoestesia no terço posterior da língua à direita. Reflexos faríngicos semiabolidos. Paresia do véu à direita, atrofia dos músculos trapézio e esternocleido mastóideo, com conseqüente diminuição da sua funcionabilidade. Fundo de olho normal. O estudo radiológico da fossa jugular e mastóide direita foi feito através das seguintes incidências: (AP e Perfil de crâneo, Schuller, Stenvers, Guillen, Chaussé III, Hirtz, submento vértice para fossa jugular, tomografia frontal bilateral, zonografia do buraco rasgado.) Os achados obtidos foram os seguintes lesão lítica em correspondência com a fossa jugular direita o que determina o desaparecimento do osso timpanal com conseqüente ausência da parede anterior do meato acústico externo; destruição do processo estiloíde; corrosão da borda inferior da parte petrosa do temporal e velamento da caixa do tímpano (Dr. Tito Lívio Mundim) (Fig. 2).



FIGURA 1



FIGURA 2



Foi realizada biópsia sob anestesia local. Ao retirarmos do meato acústico externo dois pequenos fragmentos, observamos sangramento profuso, o que fêz com que fizéssemos tamponamento de emergência. Havendo estancamento do sangue, examinamos a tumoração sob otomicroscopia e fizemos ablação de quase tôda massa tumoral, surgindo nova descarga sanguínea. Mantivemos a paciente internada por 24 horas. Os cortes histológicos revelam neoplasia constituída por células poliédricas que se agrupam em grandes massas; conservando ora uma distribuição esboçando aspécto alveolar, ora contornando espaços vasculares. O interstício acha-se constituído por escasso tecido conjuntivo que por vêzes emite finas traves no meio das células tumorais. Recobrindo essa formação nota-se epitélio pluriestratificado. A neoplasia atinge os bordos da ressecção. (Fig. n.° 3) Diagnóstico: Glomus jugular. (boletim 15.805-A 45 de 02-03-70). Não foi possível executar a jugulografia retrógrada face a impossibilidade de passagem do contraste pela jugular. Foi feita uma arteriografia e na fase venosa (cálculo de 10 segundos), foi batida a radiografia que nos mostrou o tumor (Fig. n.º 4).

Tratamento

Pela tendência a um crescimento lento é mais fácil sua cura pela radioterapia que pela cirurgia. A criocirurgia17 para remoção do glomus pode ser usada, pela facilidade de ausência de sangramento. A ressecção do tumor geralmente é feita pela mastoidectomia radical ou, por uma hipotimpanotomia pós auricular com hipotimpanoplastial. No nosso caso, pela impossibilidade cirúrgica, foi a paciente submetida a duas séries de trinta aplicações de radioterapia, com melhora de 50%.

Resumo

Os autôres conceituam tumor glômico da jugular, estudam sua patologia e histologia, apresentando a seguir um caso clínico, classificado no terceiro grupo da classificação de Rosenwasser, que pelo comprometimento de vários pares cranianos, tornou a cirurgia impossível, o que fêz com que se usasse a radioterapia.

Summary

The authors give the concept of Glomus Jugulare Tumor. They study its pathology and histology. They also present a case which was classified in the third group of Rosenwasser's classifications and surgery was not perfomed because several craneal nerves were already injured. Radiotherapy wes the treatment of choice.



FIGURA 3



FIGURA 4



Bibliografia

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1 Prof. Titular de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Campos/RJ. Prof. da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da UFF.
2 Da disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da UFF.
3 Da Disciplina de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina da UFF.
4 Da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da UFF.

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