TUMÔR MIXTO DE GLANDULA SALIVAR (a proposito de quatro casos de localização aberrante)
Autor(es): Dr. M. HAROLDO SILVA BASTOS - Assistênte efetivo da Clinica Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo
Chefe de Clínica Interino: Dr. I. E. Rezende Barbosa
A ocurrencia no período de um ano, em nosso Serviço, de 4 casos de tumor mixto de glandula salivar, localizado em diferentes pontos do segmento cefalico, sugeriu-nos a idéia da apresentação deste trabalho, levando-se ainda em conta o fato de ser relativamente pequeno o número de comunicações a respeito, figurando na Casuistica nacional apenas um trabalho, aliás excelente e completo, publicado em 1940 por Silva Guimarães.
RESUMO DAS OBSERVAÇÕES
CASO 1 - Amadeu C. P., 38 anos, branco, natural de Minas veio à consulta em 18-2-1952 dizendo que há um ano e meio surgiu-lhe um caldo de sangue na boca (sicj sentindo, então, com o dedo a presença de um caroço no fundo da garganta o qual passou a crescer de volume até que ultimamente já lhe prejudicava a deglutição.
Fig. 1 - Elementos fundamentais do "tumôr mixto da parotida". Vêem-se blocos epiteliais, às vezes formando figuras semelhantes a glândulas com material coloide no interior, entremeados por tecido conjuntivo formado de celular estreladas com aspecto mixomatoso.
Ao exame verificou-se que a amígdala estava deslocada para a linha mediana empurrada por uma formação tumoral, lisa, volumosa, localisada entre ela e a parede lateral do faringe. O pilar anterior fortemente bombeada e nítida era a assimetria do istmo da garganta. Ganglios sub-maxilares satélites palpáveis, duros, indolores, de médio tamanho. Os exames complementares nada apresentaram digno de nota. Foi feita a biopsia que revelou tratar-se de um "tumor mixto da parotida" ass. W. Maffei.
Em 28-2-52 foi executada a extirpação cirurgica (Dr. J. E. de Rezende Barbosa). Sob anestesia local foi incisada a mucósa do véu móle sobre o pilar anterior esquerdo; descolamento do tumor em plano nítido de clivagem, o qual se estendia pelo véu móle, afastava a musculatura lateral do faringe para dentro da loja amigdaliana, deslocava a amígdala para a linha mediana e a descolava do pilar posterior e do této da lója. O seu peso era de aproximadamente 30 gramas. Não havia invasão dos tecidos vizinhos pela massa tumoral.
O pós-operatorio não apresentou acidentes é o doente teve alta hospitalar em 3-3-1952.
CASO 2 - Benedito F. S., branco, 24 anos, natural de Minas, veiu à consulta no dia 8-5-1952 queixando-se de que há aproximadamente 1 ano é meio notou a presença de um tumor no céu da boca, de crescimento lento e indolor. Refere, ainda, que há 4 meses um médico de bairro incisou o tumor dando saída a puz (sic).
Pelo exame verificamos a presença de uma formação tumoral, lisa, depressivel e indolor situado na linha de união do palato móle e duro.
Fig. 2 - A parte epitelial é constituída por cordões celulares irregulares envolvidos pela parte conjuntiva que é de aspecto mixomatoso.
Feita a biopsia o resultado foi "neoplasia matura do tipo mixto constituída por blocos de tecido de aspecto mixomatoso e tecido fibroso entremeados de partes epiteliais sob a forma de cordões ou blocos festonados e, às vezes, assumindo aspectos glandulares". Diagnostico: "Tumôr mixto da parotida" ass. W. Maffei.
A intervenção cirurgica foi por nós executada em 13-6-1952. Incisão na linha mediana do tumor; descolamento inicial dificultado pela forte aderência existente em quase toda a porção anterior da capsula, devido, provavelmente, aos traumatismos anteriores. As primeiras porções da massa neoplasica foram tiradas em fragmentos, até encontrarmos o plano de clivagem, daí por diante o descolamento tornou-se fácil e foi feita a extirpação total do tumor. Não havia invasão de territorios vizinhos: musculatura e osso palatino intactos. Pós-operatorio sem acidentes. Alta hospitalar em 19-6-1952.
CASO 3 - Sebastiana S., parda, 30 anos, natural de Tambaú, veiu à consulta em 31-1-1953, queixando-se de bloqueio nasal, epistaxis e nevralgia facial esquerda há varios anos. Há seis meses, aproximadamente, começou a sentir cefaleia, tipo hemicranea esquerda, estendendo-se pela hemi-face, ombro e membro superior-esquerdos. Ao exame verificamos abaulamento da hemiface esquerda com discreta propulsão do globo ocular do mesmo lado. A fossa nasal esquerda bloqueada pelo desvio total da parede lateral para junto do septo, apresentando um tumor, tinhoso, hemorragiparo, no andar médio. Na boca a apófise alveolar do maxilar superior e véo duro, à esquerda, achavam-se abaulados.
Fig. 3 - O tecido epitelial, neste campo, forma cordões anastomosados entre si, delimitando espaços que são ocupados por tecido conjuntivo hialinisado.
A radiogratia dos seios da tace revelou uma opacidade total do seio maxilar esquerdo com erosão das paredes osseas, bem como diminuição de transparência das células etmoidais e seio frontal desse lado.
A biópsia revelou: "Neoplasia mixta de natureza conjuntivo-epitelial, em que a parte epitelial se dispõe sob a fôrma de faixas delimitadas pela parte conjuntiva que é constituida por tecido mixomatoso e conjuntivo jovem". Diagnóstico: "Tumôr mixto da parotida" ass. W. Maffei.
Fig. 3b - De acordo com a grande variabilidade de aspecto, verificamos neste caso predominância dos blocos epiteliais, alguns dos quais com aspecto de glândulas, com material de aspecto colóide. A parte conjuntiva é aqui representada por faixas de tecido fibroso.
Dia 5-3-1953 foi feita a intervenção cirurgica (Dr. J. E. de Rezende Barbosa). Incisão na fossa canina para extirpação do tumor por via trans-maxilar. O antro maxilar estava totalmente invadido pela massa tumoral. Havia deiscencia das paredes anterior, malar, assoalho e posterior do seio. Aparentemente o tumor tinha origem na parede lateral da fossa nasal, e, após a sua extirpação resultou ampla comunicação da fossa, naso-faringe e seio maxilar esquerdo: Pós-operatório sem acidentes. Alta hospitalar em 12-3-1953.
CASO 4 - Venicio S., pardo, 42 anos, natural de Poços de Caldas, veiu à consulta dia 25-4-1953, queixando-se de um tumor no céu da boca que, segundo afirma, tem desde criança, e cujo aparecimento se deu após traumatismo sofrido. Ao exame constatou-se a existência de um tumor doe consistência dura, de bordos regulares e superfície lisa, no terço médio do palato duro.
Fig. 4 - A parte epitelial é circundada por tecido.
Fig. 5 - Fotografia mostrando a localização do tumor no palato duro.
A biopsia deste tumor revelou tratar-se de uma "neoplasia matura mixta conjuntivo-epitelial cuja parte epitelial é constituida-por blocos e cordões irregulares e entremeados por tecido mixomatoso e fibroso que constituem a outra parte da neoplasia. Esse conjunto é perfeitamente circunscrito por uma camada estreita de tecido conjuntivo fibroso. Diagnostico: "Tumor mixto da parotida" ass. W. Maffei.
Em 21-5-1953 foi feita a extirpação cirurgica do tumor (Dr. Mauro C. S. Dias). Incisão linear da mucósa, com exposição fácil da capsula tumoral o que tornou extremamente fácil o descolamento do tumor, o qual foi retirado em blóco. Não ficaram restos. Cavidade de implatação tumoral lisa, arredondada, vendo-se ao fundo o osso palatino.
Pós-operatorio sem acidentes e alta hospitalar após uma semana.
Fig. 6 - Aspecto macroscopico do tumor referente ao caso 4.
Os tumores mixtos são neoplasias benignas que embora possam ocorrer em qualquer orgão têm uma particular predileção pelas glândulas salivares; destas, a parotida é a sua localização preferida.
Em 301 t. mixtos citados por Mac Farland 278 eram da parotida, 22 da sub-maxilar e 1 da sub-lingual. Lenormant identificou 22 t. m. da parotida em 33 casos por ele observados. Heinike colidiu na literatura 360 casos; destes, 288 ou 88% eram da parotida, 69 ou 19,7%, da sub-maxilar e 3 ou 0,83% da sub-lingual. Bohne e Kutner estiram a incidencia em 90% para a parotida, 10% para a sub-mâxilar e 1% para a sub-lingual. Quanto aos tumores mixtos considerados aberrantes por sua localização é de 12,1 % a sua incidência segundo estatística feita, por Ward-Hendrick-Lacy, do john Hopkins Hospital, na maioria das vezes dentro da cavidade bucal: palato móle e duro, loja da amígdala, bochecha, etc. Há referência a casos desenvolvidos na parede lateral da faringe, espaço retrofáringêo, nariz e antro maxilar. Os casos aqui relatados localizavam se no palato duro, palato móle, loja da amígdala e maciço facial esquerdo.
Desde que Kalschmied descreveu, pela primeira vez, em 1752, este, tipo de tumor, muito se tem discutido quanto à sua natureza e origem. Para Kaufmann, Nasse, Wolkmann e Von Angelmann os tumores mixtos não passam de endoteliomas, faltando-lhes os verdadeiros epitelios; sustentam que a estrutura epitelial neles contida se originaria do endotelio dos vasos, com o mesmo valor portanto das células do tecido conjuntivo. Clements e mais tarde. Crompecher e outros afirmaram que o tecido cartilaginoso existente no tumor mixto seria produzido por metaplasia das células epiteliais desse mesmo tumor; finalmente, Wilms, Winsberg e Massabuau advogam a teoria mixta do tumor, isto é, que eles contêm tecido epitelial e conjuntivo. Como decorrência desta controversia quanto à natureza e origem, várias denominações têm sido propostas para a sua identificação: disembriomas para Letulle, teratoblastomás, tumores desontogeneticós e mesoblastomas para Klebs, Schalbe e Albrecht, respectivamente. Entretanto, a maioria dos autores procurou enquadra-los numa designação única e lógica: os chamados "tumores mixtos"; os "so called mixed tumors" dos anglo-americanos.
Quanto à causa do desenvolvimento destes tumores fôra das glândulas salivares e porisso mesmo considerados aperrantes, parece-nos mais convincente a explicação dada pela teoria dos restos embrionários que teriam ficado dispersos no trajeto das invaginações embrionarias de que resultaram a cavidade bucal, as fossas nasais, etc., todas com a mesma origem: os arcos branquiais. Estas inclusões ectodermicas seriam dotadas, de acordo com a teoria de Spemann, do chamado "efeito organizador" ou "excitação formadora" isto é, o poder de, em determinada fase de sua evolução, "induzir a formações mesenquimatosas secundarias",
0 t. mixto aparece em identica, proporção em homens e mulheres, brancos ou pretos, - desde a mais tenra idade (caso citado, por Mac Farland em criança de 8 meses) - até idade mais avançada (caso em ancião de 81 anos). A sua evolução é lenta, uma de suas características fundamentais. Mikulicz cita um caso de 30 anos de evolução e Defontaine um de 55 anos. Conforme o local em que se desenvolvem são de, fácil palpação, apresentando superfície lisa nunca ulcerada, consistência dura, às vezes pastosa, variando o tamanho com a idade do tumor. Ackermann acredita que a lentidão do seu crescimento está na razão direta:da quantidade de tecido cartilaginoso que encerra. Em 55 % dos casos observados por AhIbon havia cartilagem. Aqueles que contêm grande quantidade de tecido epitelial parece desenvolverem-se mais rapidamente do que os predominantemente de tecido fibroso ou mixomatoso.
Na sua quase totalidade estes tumores estão envoltos por uma capsula fibrosa e quando cortados oferecem aspectos que, variam de acordo com a predominancia de tecido epitelial ou conjuntivo: de coloração avermelhada no primeiro caso e branca acinzentada no segundo.
Histologícamente apresentam variada arquitetura com, os mais diversos tecidos. O componente epitelial mais comum é o epítelio glandular e, em seguida, o escamoso. 0 tecido conjuntivo apresenta-se sob a forma de cartilagem, tecido mucoso de vários tipos; tecido fibroso, etc. Segundo estatística de Eggers, citado por Silva Guimarães, em 92 casos por ele observados havia, em 84 a presença de tecido epitelial glandular; em 70 o tecido mucoso; em 35, cartilagem e, em 32 tecido epítelial escamoso. Em apenas 12 casos havia a presença de todos aqueles tecidos juntos.
0 diagnóstico faz-se com relativa facilidade e,a sua diferenciação com os tumores malignos é feita levando-se em conta o seu comportamento clinico; isto é, evolução, via de regra, lenta, sem caráter invasivo e ulcerante, ausência de metastases e engorgitámento ganglíonar. Finalmente, a biopsia cuidadosa confirmará ou não a suspeita.
O prognóstico do t. mixto é favorável, pois trata-se de neoplasia de caráter benigno, sem metastase, encapsulado e, portanto, de fácil exérese círurgica. Ha que considerar, apenas, nó caso a relativa frequencia com que recidivam, talvez por não terem sido totalmente extirpados. Citam-se casos de t. rnixtos que recidivaram após 20 e até mesmo 30 anos.
0 tratamento, portanto, destes tumores deve ser sempre a cirurgia, que deverá ser cuidadosa procurando-se, sempre que possível, extirpa-los com, a sua capsula, fibrosa. A radioterapia pós-operatória quer nos parecer inocua por serem eles pouco ou quase nada radio-sensíveis.
Devemos ser cautelosos quanto à afirmativa de cura destes tumores tendo em, vista a frequencia das recidivas. Com relação aos casos observados em nosso Serviço nada podemos adiantar, dado o curto espaço de tempo decorrido da intervenção cirurgia e as dificuldades de "follow up" dos doentes que residem em cidades, longinquas.
Com referencia à malignidade ou não dos t. mixtos esposamos as idéias de Mac Farland que diz: a) "os t. mixtos.são inerentemente benignos, mas podem, após excisão ou frequente traumatismo, tornai-se localmente destrutivos ou invasores, sem dar metastases"; b) "o seu rapido crescimento não quer dizer transformação maligna" e, finalmente; c) "a transformação malígna: sarcómatosa ou carcinomatosa deve ser rara, quase excepcional, e de difícil prova".
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